Álbum ao vivo de Caetano Veloso e Maria Bethânia se justifica pela magia do reencontro dos irmãos em cena
27/05/2025
(Foto: Reprodução) Disco corrige a grafia da música ‘Os mais doces dos bárbaros’, eliminando erro de 1976 atribuído por Caetano à gravadora, mas curiosamente mantido pelo cantor em 1992 na edição de ‘Circuladô vivo’. Maria Bethânia e Caetano Veloso lançam álbum ao vivo com a gravação de áudio da turnê que mobilizou multidões pelo Brasil
Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: CAE ⟷ BTH – Caetano e Bethânia ao vivo
Artistas: Caetano Veloso e Maria Bethânia
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ A força do show Caetano & Bethânia reside no reencontro dos dois irmãos no palco 46 anos após a turnê de 1978. Foi o magnetismo dos artistas – entidades diferentes, mas complementares na música do Brasil – que mobilizou e eletrizou multidões pelas principais capitais do país ao longo da turnê iniciada em agosto de 2024 e encerrada em março deste ano de 2025.
Caetano & Bethânia foi literalmente um espetáculo sem jamais ter alcançado a dramaticidade imponente dos shows da cantora ou a musicalidade arrepiante de Meu coco (2022), o anterior show solo de Caetano. Até porque o show Caetano & Bethânia foi moldado para jogar para a galera, como se espera de espetáculos idealizados para arenas e estádios.
Ainda assim, a edição de álbum ao vivo com o áudio do show – captado ao longo da turnê – se faz necessária para perpetuar em registro fonográfico um momento histórico da música brasileira.
Em rotação desde ontem, 26 de maio, o álbum CAE ⟷ BTH – Caetano e Bethânia ao vivo encadeia 42 músicas em 33 faixas. O disco ao vivo resulta bem gravado, mixado e masterizado. O som está quente, vibrante. Foram feitos prováveis retoques em estúdio – prática recorrente (mas quase nunca assumida) na edição de discos ao vivo – para burilar o canto dos intérpretes, mas sem amenizar o calor humano, combustível fundamental em qualquer registro de show.
A inclusão da música inédita Um Baiana (Caetano Veloso, 2025) é o único teor de novidade para a maioria do público que assistiu ao show, pois a composição – apresentada na cadência do samba-reggae – somente entrou na penúltima apresentação da turnê.
E por falar em samba-reggae, o baticum do gênero baiano também embasa A tua presença morena (1971) – música composta por Caetano com inspiração de Nossa Senhora – e Fé (Iza, Sérgio Santos, Pablo Bispo, Ruxell, Lukinhas, Henrique Bacellar, Junior Pierro e Fabinho Negramande, 2022), grande surpresa do roteiro, já editada em single em dezembro com versão de estúdio.
Sucesso de Iza, Fé se afinou no repertório de show que exalou religiosidade sincrética em roteiro que incluiu o ijexá Filhos de Gandhi (1973) – “Isso é Gil”, ressalta Caetano no começo do número para informar que a composição é de autoria de Gilberto Gil, irmão de fé nas crenças tropicalistas – e o louvor evangélico Deus cuida de mim (Kleber Lucas, 1999), ponto mais inusitado do roteiro.
No show, essa canção religiosa provocou estranhamento, mas o incômodo foi provocado mais pela fala de Caetano antes do número do que pela música em si. Até porque somente os intolerantes com a fé alheia hão de negar que há beleza no louvor do pastor Kleber Lucas.
Recorrente nas orquestrações das 42 músicas, a combinação de sopros e percussões sinaliza que a direção musical do arranjador Lucas Nunes (violão e guitarra) sobressaiu em relação às contribuições de Jorge Helder (baixo), também creditado como diretor musical e arranjador do show.
E tudo pareceu partir da Bahia natal, cuja ginga entrou na roda com o pot-pourri de sambas do Recôncavo – 13 de maio (Caetano Veloso, 2000), Samba de dois-dois (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, 2004), Cosme e Damião (tema tradicional), Lindomar (tema tradicional) e A donzela se casou (Moreno Veloso, 2022) – e reverberou no baticum de Você não me ensinou a te esquecer (Fernando Mendes, José Wilson e Lucas, 1978), música do set solo de Caetano.
O arranjo dessa canção popular – lançada na voz do cantor Fernando Mendes, coautor da música hoje mais associada a Caetano Veloso desde que o artista baiano a regravou para a trilha sonora do filme Lisbela e o prisioneiro (2003) – é um dos grandes trunfos do álbum.
Para pesquisadores musicais e interessados na obra de Caetano Veloso, vale a informação de que o disco corrige erro de 1976 ao grafar a música Os mais doces dos bárbaros com o título correto, e não como Os mais doces bárbaros. Autor da música, Caetano alega que o erro na grafia do título foi da gravadora Philips na época da edição do álbum Doces Bárbaros (1976).
Caetano afirma que reclamou do erro durante anos, mas curiosamente o cantor manteve esse mesmo erro no álbum Circuladô vivo (1992), editado 16 anos depois com a música Os mais doces dos bárbaros grafada no repertório também sem o “dos” adicionado à revelia do compositor em 1976.
Incoerências à parte, a edição de um disco ao vivo é importante porque, no áudio sem imagem, saltam aos ouvidos nuances por vezes imperceptíveis na magia da cena, quando todos os olhos se voltam para os cantores.
No caso da turnê ora perpetuada em disco, foi a reunião de Caetano Veloso e Maria Bethânia que fez a magia do show e lhe deu importância histórica. O que justifica a edição do álbum CAE ⟷ BTH – Caetano e Bethânia ao vivo e a produção de vindouro documentário com entrevistas e com imagens de bastidores e do show em si.