Maestria de Francis Hime é saudada em show com riquezas melódicas e afagos entre o anfitrião e os oito convidados
26/05/2025
(Foto: Reprodução) Canto de Olivia Hime e presença de Ivan Lins são pontos altos em espetáculo de dinâmica prejudicada pelos ‘confetes’ e pelo entra-e-sai de intérpretes. Ao piano, Francis Hime conduziu o show de aura festiva apresentado no Rio de Janeiro na noite de ontem, 25 de maio
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Não navego pra chegar
Artista: Francis Hime – com Ivan Lins, Leila Pinheiro, Mônica Salmaso, Olivia Hime, Simone, DJ Zé Pedro, Zé Renato e Zélia Duncan
Data e local: 25 de maio de 2025 na casa Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ Presença inusitada entre os oito convidados que subiram ao palco da casa Vivo Rio na noite de ontem, 25 de maio, para celebrar a maestria de Francis Hime no show Não navego pra chegar, o DJ Zé Pedro foi corajoso ao sentenciar, na apresentação do espetáculo, que a atual música brasileira está “esgarçada” com “pobreza melódica” e “versos paupérrimos”.
Sensata, a percepção de Zé Pedro certamente foi compartilhada pela plateia majoritariamente idosa que, tendo crescido ouvindo a geração de gênios da MPB projetada ao longo dos anos 1960, estava ali para aplaudir Francis Victor Walter Hime, um dos maiores nomes dessa MPB.
Nascido em 31 de agosto de 1939, o compositor, pianista, arranjador e maestro carioca insiste na juventude – já perto dos 86 anos – e também insiste nas músicas feitas com riquezas melódicas, harmonias requintadas e versos poéticos, escritos por parceiros de alta estirpe. Foi isso – uma música brasileira do mais alto nível – que se ouviu ontem no show que, entre sucessos do monumental cancioneiro autoral do compositor, também se alimentou do bom repertório inédito do álbum Não navego pra chegar, lançado em 4 de abril. Nove das onze músicas do disco foram entremeadas no roteiro com os standards do cancioneiro do compositor.
Ao piano, Francis Hime conduziu uma big band – grandiosa sobretudo pela magnitude de músicos como Dirceu Leite (sopros), o violoncelista Hugo Pilger (com quem o pianista fez duo ao abrir o roteiro musical com o toque do autoral Baiaozão, tema instrumental de 1997), Jorge Helder (baixo), Luciana Rabelo (cavaquinho) e Paulo Aragão (violão), entre outros virtuoses – e recepcionou os sete cantores convidados.
Por se tratar de show de caráter festivo, a dinâmica da apresentação foi naturalmente comprometida pelo entra-e-sai de convidados e, sobretudo, pelos afagos mútuos entre o anfitrião e esses convidados. E por vezes até entre os convidados. Essa gordura do roteiro certamente será limada do futuro registro audiovisual do show, que teve imagem e som captados por se tratar de evento especial que dificilmente irá se repetir.
Alguns números foram realmente especiais. Diretora do show, Olivia Hime sobressaiu ao dar o devido tom dramático à canção de separação Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977) e ao samba-canção Embarcação (Francis Hime e Chico Buarque, 1982). Antes, Olivia esboçara teatralidade em Pássara (Francis Hime e Chico Buarque, 1980) em voo com Zélia Duncan que não chegou a decolar. Mas é justo reconhecer a grandeza do canto de Olivia Hime, artista ainda não devidamente valorizada na medida do talento como intérprete e letrista!
Olivia Hime imprimiu a devida dramaticidade no canto das músicas ‘Trocando em miúdos’ e ‘Embarcação’
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Sozinha, Zélia cantou a valsa-canção Tempo breve – parceria de Francis com o escritor Bráulio Pedroso (1931 – 1990) tirada do baú para o álbum Não navego pra chegar – sem evidenciar a amargura dos versos e teve a missão ingrata de interpretar Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972), música que exige dramaticidade para a qual a cantora não é vocacionada. É difícil ouvir Atrás da porta sem pensar na canção na voz de Elis Regina (1945 – 1982) ou mesmo na de Nana Caymmi (1941 – 2025)...
Se Mônica Salmaso reiterou a precisão espantosa do canto ao dar voz ao choro-canção Não navego pra chegar (Francis Hime, Maurício Carrilho e Olivia Hime, 2025) e à canção Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque, 1975), sem errar os nomes dos pássaros relacionados nos versos da música ecológica lançada há 50 anos pelo grupo MPB4 e cantada por Salmaso na recente turnê com Chico Buarque, Ivan Lins foi algo além do comum e do esperado.
Sim, Ivan Lins pairou como entidade da música brasileira no palco da casa Vivo Rio, emocionado e emocionando o público com o canto de Imaginada (2025), a canção com alma de blues que compôs com Francis e que Olivia Hime letrou. Cabe lembrar que Imaginada é a obra-prima da safra autoral do álbum Não navego pra chegar. Perto dos 80 anos, Ivan manteve a aura de encantamento quando cantou Minha (1966), parceria de Francis com Ruy Guerra, letrista presente na plateia estrelada em que também estava a atriz Fernanda Montenegro.
Ivan Lins, uma entidade no palco da casa Vivo Rio
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Coube a Ivan chamar Leila Pinheiro ao palco. Leila é cantora que não arrebata corações, mas, justiça seja feita, esbanjou técnica no canto de Tomara que caia (Francis Hime e Moraes Moreira, 2025), do baião Chula chula (Francis Hime e Geraldo Carneiro, 2025) – música que no disco foi confiada a Lenine, único convidado do álbum que não pôde estar no show – e da seminal Sem mais adeus (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1963), marco inaugural da obra de Francis como compositor.
Já Zé Renato harmonizou técnica e emoção ao cantar A noiva da cidade (Francis Hime e Chico Buarque, 1976) – com a melancolia no ponto certo – e ao cair garboso no samba Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1966), número em que ficou evidenciado o naipe percussivo da big band. Na cadência do samba-canção, Zé ainda mostrou Imensidão (2025), parceria com Francis que ganhou letra de Olivia Hime.
Última convidada da noite, Simone pisou na avenida com elegância para cantar o enredo do Samba pro Martinho (Francis Hime, Geraldo Carneiro e Olivia Hime, 2025) – com Martinho da Vila na plateia – e reviver Existe um céu (Francis Hime e Geraldo Carneiro, 2007), música lançada pela própria Simone em gravação feita para a novela Paraíso tropical (TV Globo, 2007).
Simone também cantou Maravilha (1977), título menos conhecido da parceria de Francis Hime com Chico Buarque – parceria fundamental cuja exuberância foi reiterada ao longo do show, encerrado com o canto do samba Amor barato (1981) por Francis e com o canto coletivo do samba-enredo Vai passar (1984) com todos os convidados. Outras duas obras-primas dessa parceria lapidar!
No bis, com a plateia já dispersiva, o pianista solou a Suíte carioca (2002), colagem de músicas que versam sobre o Rio de Janeiro (RJ), com ênfase na obra soberana de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), compositor do qual descendem Francis e toda a geração da MPB.
Quanta riqueza melódica e quantos versos igualmente riquíssimos foram ouvidos e sentidos nessa merecida celebração da maestria de Francis Hime, maestro de talento sobressalente que reinou soberano em noite de confetes, músicos excepcionais e grandes músicas!
Francis Hime se junta a todos os convidados no canto do samba-enredo ‘Vai passar’ ao fim do show
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
♪ Eis o roteiro seguido por Francis Hime e convidados em 25 de maio de 2025 na estreia nacional do show Não navego pra chegar na casa Vivo Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):
1. Baiaozão (Francis Hime, 1997) – duo com Hugo Pielger ao violoncelo
2. E se... (Francis Hime e Chico Buarque, 1980) – com participação de Maurício Carrilho ao violão
3. Não navego pra chegar (Francis Hime, Maurício Carrilho e Olivia Hime, 2025) – com Mônica Salmaso a participação de Maurício Carrilho ao violão
4. Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque, 1975) – com Mônica Salmaso
5. Chuva (Francis Hime e Zélia Duncan, 2025)
6. Tempo breve (Francis Hime e Bráulio Pedroso, 2025) – com Zélia Duncan
7. Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972) – com Zélia Duncan
8. Sem saudades (Francis Hime e Cartola, 2006) – com Zélia Ducan
9. Pássara (Francis Hime e Chico Buarque, 1980) – com Olivia Hime e Zélia Duncan
10. Infinita (Francis Hime e Ziraldo, 1983) – com Olivia Hime
11. Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977) – com Olivia Hime
12. Embarcação (Francis Hime e Chico Buarque, 1982) – com Olivia Hime
13. Imaginada (Francis Hime, Ivan Lins e Olivia Hime, 2025) – com Ivan Lins
14. Minha (Francis Hime e Ruy Guerra, 1966) – com Ivan Lins
15. Chula chula (Francis Hime e Geraldo Carneiro, 2025) – com Leila Pinheiro
16. Sem mais adeus (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1963) – com Leila Pinheiro
17. Tomara que caia (Francis Hime e Moraes Moreira, 2025) – com Leila Pinheiro
18. A noiva da cidade (Francis Hime e Chico Buarque, 1976) – com Zé Renato
19. Imensidão (Francis Hime, Zé Renato e Olivia Hime, 2025) – com Zé Renato
20. Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes 1966) – com Zé Renato
21. Samba pro Martinho (Francis Hime, Geraldo Carneiro e Olivia Hime, 2025) – com Simone
22. Existe um céu (Francis Hime e Geraldo Carneiro, 2007) – com Simone
23. Maravilha (Francis Hime e Chico Buarque, 1977) – com Simone
24. Amor barato (Francis Hime e Chico Buarque, 1981)
25. Vai passar (Francis Hime e Chico Buarque, 1984) – com todos os convidados
Bis:
26 Suíte carioca (Francis Hime, 2012):
♬ Samba do avião (Antonio Carlos Jobim, 1962 ) /
♬ Corcovado ( Antonio Carlos Jobim, 1960),
♬ Copacabana ( João de Barro e Alberto Ribeiro, 1946),
♬ Ligia ( Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1974),
♬ Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962),
♬ Aquele abraço ( Gilberto Gi, 1969),
♬ Exaltação à Mangueira ( Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa, 1955),
♬ Pivete ( Francis Hime e Chico Buarque, 1978) /
♬ Vai passar ( Chico Buarque e Francis Hime, 1984)
Francis Hime comanda, do piano tocado com maestria, o show em que apresentou as músicas do álbum 'Não navego pra chegar'
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio